16 junho, 2008

Autores que falam por mim - PARTE 1

Não me venha com essa história de atraiçoamos-todos-os-nossos-ideais, nunca tive porra de ideal nenhum, só queria era salvar a minha. Veja só que coisa mais individualista, elitista, capitalista, só queria ser feliz, cara.

As pessoas suportam tudo, as pessoas, às vezes, procuram exatamente o que será capaz de doer ainda mais fundo.

Só eu sei que cheguei à humildade máxima que um ser humano pode atingir: confessar a outro ser humano que precisa dele para existir.

Eu quis tanto ser a tua paz, quis tanto que você fosse o meu encontro. Quis tanto dar, tanto receber. Quis precisar, sem exigências. E sem solicitações, aceitar o que me era dado. Sem ir além, compreende? Não quis pedir mais do que você tinha, assim como eu não daria mais do que dispunha, por limitação humana. Mas o que tinha, era seu.

Porque não suportava mais todas aquelas coisas por dentro e ainda por cima o quase-amor e a confusão e o medo puro.

-Você tem um cigarro?
-Estou tentando parar de fumar.
-Eu também, mas queria uma coisa nas mãos agora.
-Você tem uma coisa nas mãos agora.
-Eu?
-Eu.

Trata-se de uma decepção diferente: não penso obsessivamente, não tenho vontade nenhuma de ligar nem de escrever cartas, não tenho ódio nem vontade de chorar. Em compensação também não tenho vontade de mais nada.

Não adianta,não sei explicar. As palavras traem o que a gente sente.

Virava as páginas lentamente, há muito tempo antes, e não me surpreendia nem me atemorizava pensar que muito tempo depois estaria da mesma forma de mãos dadas com um outro eu amortecido — da mesma forma — revendo antigas fotografias. Mas o que me doía, agora, era um passado próximo.

Te procuro em outro corpo, juro que um dia te encontro.
Não temos culpa. Tentei. Tentamos.

Só queria ser feliz. Gorda, burra, alienada e completamente feliz.

Mas de tudo isso, me ficaram coisas tão boas. Uma lembrança boa de você, uma vontade de cuidar melhor de mim, de ser melhor para mim e para os outros. De não morrer, de não sufocar, de continuar sentindo encantamento por alguma outra pessoa que o futuro trará, porque sempre traz, e então não repetir nenhum comportamento. Ser novo.

Olha, eu sei que o barco tá furado e sei que você também sabe, mas queria te dizer pra não parar de remar, porque te ver remando me dá vontade de não querer parar também.

Fico quieto. Primeiro que paixão deve ser coisa discreta, calada, centrada. Fiquei. Você sabe que eu fiquei. E que ficaria até o fim, até o fundo...

Mudei muito, e não preciso que acreditem na minha mudança para que eu tenha mudado.

Não sei, deixo rolar. Vou olhar os caminhos, o que tiver mais coração, eu sigo.



CAIO FERNANDO ABREU

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